Afogamento

Nós tínhamos olhos parecidos
E nosso pelo era quase da mesma cor
A nossa dança era um arco-íris
E você me sufocou
Quem sabe o brilho dos seus olhos não fosse amor
Quem sabe as lágrimas em seu sorriso chorassem de dor
Foi tão rápido
Queria que durasse pra sempre
Mas éramos iguais demais
Não, éramos iguais demais
Quanto tempo você esperou pra calcular esse plano perfeito?
Será que você realmente me amou?
Aquela casa de verão era sua
Pra onde quer que você fosse eu ia
E nem precisava ter botado a mão no meu pescoço
Eu já estava morto
Se soubesse que não me querias
Que não me querias
Tenho saudade de ti no inferno
O amor da minha vida foi meu sofrimento eterno.



Pequenas Palavras

Acorda, acorda
Nada é tão real assim
Nada é tão real assim
Quebre, quebre
Nada é tão firme assim
Nada é tão seguro assim
E fuja agora
Não há mais tempo agora
Não há outra saída agora
Cheira, injeta, engole
Se aproxime
Não há mais cura agora
Não há mais tempo agora
Vá direto
Ao céu, ao léu, ao máximo
Nada é tão real assim
Nada é tão real assim
Acorda
O choque em sua pele faz você dormir
A faca em sua carne faz você sorrir
Uma pequena agulha e seu ouvido vai fazer você voltar a crer
Uma pequena palavra vai sustentar sua dor até morrer
Até morrer
Pense, Pense
E fuja agora
Não há mais tempo agora
Não há mais cura agora
Só há uma saída agora
Nada é tão real assim
Nada é tão real assim
Acorda.



O Cachorro

Ela viajou
E eu fiquei sozinho com o cachorro na casa
Ela viajou
E eu fiquei distante dela com o cachorro na casa
Eu não gostava daquele cachorro
Eu nunca gostei daquele cachorro
Eu batia naquele cachorro
Aquele cachorro fazia barulho e entrava dentro de casa
Aquele cachorro comia a minha comida
Aquele cachorro urinava dentro de casa
Aquele cachorro era insuportável
Aquele cachorro era insignificante na minha vida
Aquele cachorro, aquele cachorro
Aquele cachorro morreu de fome

Foi uma vingança?
Hã? Foi uma vinganca?
Eu compro outro cachorro
Igualzinho a esse
Cachorro são substituíveis
Eu sou substituível

Meu amor não se esqueça de trancar as janela quando você for
Não se preocupe eu sempre tranco as janelas

Meu amor não se esqueça de dar agua pro cachorro e pras plantas senão eu morro
Eu nunca deixaria você morrer
Não adianta
Eu nunca deixaria você morrer



Nariz Quebrado

Quero expelir seu descaso na minha dor
Quero enfiar sua mão na minha cara
Meu nariz não será o único a se quebrar
Quero quebrar sua paz com a promessa
De que só restaram restos dessa espera
Por uma fração de vida
Que agora
Seja inteira.


Quero expelir seu descaso na minha dor
Quero enfiar sua mão na minha cara
Meu nariz não será o único a se quebrar
Quero quebrar sua paz com a promessa
De que só restaram restos dessa espera
Por uma fração de vida
Que agora
Seja inteira.

      



Interlúdio

Eu nunca vi fazer tanta exigência 
Nem fazer o que você me faz 
Você não sabe o que é consciência 
 Não vê que eu sou um pobre rapaz? 
Você só pensa em luxo e riqueza 
 Tudo que você vê, você quer 
Ah meu deus que saudade da amélia 
Aquilo sim que era mulher 
As vezes passava fome do meu lado 
E achava bonito não ter o que comer 
E quando me via contrariado 
Baixinho ela dizia: “Meu filho, o que se há de fazer?” 
Amélia não tinha a menor vaidade 
Amélia que era mulher de verdade 
Amélia não tinha a menor vaidade 
 Amélia que era mulher de verdade.

(Mário Lago)







Amélia

Ah, Amélia
Acorda de manhã e conta suas cartas
Ah, Amélia
Passa a manhã inteira pra arrumar o quintal
Amélia
Amélia
Tá faltando tomate e vou morrer sozinha
Vou fugir de casa
Quem sabe incomodar a vizinha
Amélia... Mora numa bairro tão, tão pequeno, chora
Bota o café pra esquentar, arruma a cama
Pensa em se deitar, senta e liga a TV
Amélia
Eu raspo as paredes lá de casa
Talvez tenha uma velha louca
Talvez seja uma velha louca
Preciso de chicória
Ah, Amélia
Ah, Amélia
Ah, Amélia









Sapateia
Sapateia meu bem De um lado para o outro, meu bem Sapateia Pisa em cima da Tv Pisa em cima do seu quarto Pisa em cima da sua cama Com o sapato de barro Você não precisa de você Você só precisa pisar, pisar Você adora suas coisas Você adora suas posses Porque elas você pode quebrar E as coisas dos outros, as coisas dos outros Você pede emprestado para pisar Sapateia Sapateia Pise em ovos Pise em ovos Pise leve Caminhando sobre ovos no abismo Pise Frágil Existência infeliz Existência ingrata Taque sua raiva Existência infeliz Existência ingrata Taque sua raiva Sua raiva Sua, sua, sua raiva Sua raiva Taque sua raiva Taque sua raiva, seu imbecil.

Meu Tio Abriu Os Olhos
 
Meu tio abriu os olhos Ele é quase do meu sangue Ele é quase do meu corpo Tavez tenha parte da minha alma Talvez tenha parte do meu coração

Meu tio abriu os olhos Jurando ver alguma coisa Ele é quase tão inseguro quanto eu Ele é quase tão... cego quanto eu Mas hoje Ele abriu os olhos E não acordou. Não Todos sabem que os anjos perdem as asas Quando tocam o chão Quem sabe Continuaremos andando no escuro Num mar de memórias

Ou mesmo Voando bem alto Em sono profundo Num mar de mentiras Quem sabe eu... Possa abrir os olhos e continuar sonhando Quem sabe eu acredite ver alguma coisa

Do meu próprio sangue Do meu coração Mas todos sabem que os anjos perdem as asas Quando tocam o chão

Estamos Cavando Um Buraco
Fui diretamente ao centro de cada golfinho assassinado e me desfiz em cinco toneladas de atum Girei a terra sobre um eixo tresloucado que desprovia-me de luxo de odiar todo esse amor Uma raiva que cuspi se tornou um turbilhão e pressenti haver mais lixo que jamais pude prever Me senti o pior do egoístas por não ter nenhuma pista sobre o quanto está distante o elefante na tevê Eu cavei , eu sei, todos nós cavamos Encontrei um velho amigo Ele me contou tudo que aconteceu na dele e eu disse: ‘eu estou cavando um buraco’ E ele disse: ‘eu sei, todos nós estamos’ Encontrei um presidente de um país pobre numa reunição sobre a utilização de recursos públicos para Construção de um viaduto que ligaria dois bairros e permitiria a passagem mais ligeira de veículos Automotores e eu disse: ‘eu estou cavando um buraco’ Ele disse: ‘eu sei, todos nós estamos’ Encontrei todos os meus ex-namorados sentados no mesmo bar Bebiricando uma bebida barata Babando de babaca E eu me sentei e disse: ‘eu estou cavando um buraco’ Eles disseram: ‘eu sei, todos nós estamos’ No momento em que toda a vida foi sugada de mim e eu senti um vaziu, no fundo do poço Apelei para um canção para um senso mínimo de uma estrutura válida na minha vida E cantei Eu cavei, eu sei, todos nós cavamos Fui diretamente ao centro de cada dona-de-casa espancada e me desfiz em cinco galões de lágrimas contidas Girei a terra sobre um eixo tresloucado onde era aceitável o luxo de ter medo da minha vida Uma crença que desfiz se tornou um redemoinho e engoliu qualquer chance de ver a mim mesmo por inteiro Me senti o pior dos egoístas por não ter nenhuma pista sobre o quanto está distante o elefante no banheiro Eu cavei, eu sei, todos nós cavamos Não vá dizer que essa é sua última chance Não é Nunca é por algum motivo O mesmo motivo que me leva a você Que me leva a querer Que me leva a nunca saber o motivo.

Estrafego

Pense duas vezes

Daqui a nove meses

Quem será você pra alimentar a sua alma?

Quem será você pra lhe ensinar a ter mais calma?

Quem será você pra enfrentar o sacrifício?
O desperdício de seus planos
Lhe chamando pelo nome
E lhe dizendo:
Eu tenho fome
E eu te amo
E eu te amo
Eu tenho fome
E eu te amo
E eu te amo
Eu tenho fome
E eu te amo
E eu te amo
E eu te amo
Pense duas vezes daqui a nove meses
Quem será você pra alimentar a sua alma?
Quem será você pra lhe ensinar a ter mais calma?
Quem será você para aguentar esse estrafego?
O desapego de seus anos
Me chamando pelo nome
Lhe dizendo
Eu tenho fome
E eu te amo
E eu te amo
Eu tenho fome
E eu te amo
E eu te amo
Eu tenho fome
E eu te amo
E eu te amo
E eu te amo
E eu te amo
E eu... Fica no ar Faz com que eu ande sem saber andar Sabe o que eu digo sem saber falar Algo que me ama sem saber amar

Depois do Turbilhão
Enchi de ar meus lábios E os meus lábios me encheram de voz Pintei com a cor dos meus olhos E meus olhos pintaram meu chão Roubei a fagulha do turbilhão Voltei com a vida nas mãos Perdoei as feridas Dei meu amor ao máximo E o máximo ergueu meu coração E vi que cada empasse Que me enlace Cabia em minha mão Venci o perigo do turbilhão Voltei com a vida nas mãos Perdoei as feridas.


Afogamento, Pequenas Palavras, Cachorro, Amélia, Sapateia, Meu Tio

Abriu Os Olhos e Depois do Turbilhão escritas por Luis Ramos Koerich e 

João Pedro Garcia. Nariz Quebrado, Estamos Cavando Um Buraco e Estrafego

escritas por João Pedro Garcia. Interlúdio escrita por Mário Lago



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Ausência by Estou Cavando Um Buraco